sábado, 7 de fevereiro de 2009

A sentença (Dolores)

Homenagem a Oscar Wild, por Sabrina Sanfelice
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O que Lola mais gosta de fazer é ouvir pedaços de histórias das quais ela não conhece o começo e nunca fica sabendo do fim. No fim da noite, ao chegar em casa, ela escreve todos esses diálogos detalhadamente e, numa brincadeira quase infantil, junta pedaços de textos sem relação nenhuma, une vidas que nunca se encontraram, faz com que a amante de um senhor de 70 anos que bebe cachaça seja, apenas em sua imaginação, a estudante mais cobiçada da turma de Direito.

Seus textos não têm função nenhuma, não saem da cabeceira de sua cama, não são lidos por ninguém, mas são para ela como os familiares queridos que cuidou: pedaços da história de alguém que são saboreados como se fossem seus. Afinal, quem não tem vida, alimenta-se de quê? É só observar as pessoas que estão com tédio falando o dia todo dos outros e esquecendo que a vida está passando. Por isso, Lola não é diferente. Não pode ser considerada uma pobre coitada que não tem vida própria. Tem muita gente espalhada nesse mundo que acha que tem vida, enquanto não passa de alguém que ainda espera viver.
O melhor de ser assim é não precisar criar expectativas, não depender de um sim ou não, sucumbir por um olhar, beber para esquecer. É estar na platéia o tempo todo, sentir tudo o que é visto no palco e, ao ficar de pé e aplaudir, lembrar de que são todos atores e que aquela não é sua história, aqueles não são seus sentimentos. É apenas o fruto de sua imaginação interagindo com a idéia dos outros.

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(Trecho do conto "Dolores", do livro NósVósElas, de Sabrina Sanfelice, Editora Patuá)