quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Maria Madalena

Desejo crucífero, por Sabrina Sanfelice

Em desespero ela fechou os olhos para não ver sua imagem refletida no espelho. As lágrimas que escorriam pela face pálida podiam ser confundidas com as gotas de chuva que caiam fora do carro, vistas do retrovisor lateral. A saliva, confundida com o momento do choro se tornou espessa e amarga, sensação que traduzia uma só palavra: arrependimento.

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Ela nem precisou de tanto esforço. Ao tocar na planta ainda úmida, notou que o papel que a identificava tinha sido confundido por seus olhos com a toalha branca da mesa. Na surpresa de ver a flor, Cláudia nem notou o bilhete embaixo. Levantou a rosa com pressa e, como todo bom pacto com o demônio, furou o dedo em seu maior espinho. A gota de sangue era o que faltava para selar de vez seu destino daquele dia.

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Ela evitava os olhos amendoados, enquanto ele apertava de leve sua cintura na intenção de confortá-la do frio. A tempestade aumentava e o casaco já não era suficiente. Cláudia estava desesperada para que seu anjo da guarda lhe mandasse reforços, mas a legião de seguidores do chifrudo brincavam de roda entre os dois. Atrás deles um único letreiro piscava vermelho e forte: hotel 24 horas. Era chegado o momento da última tentação do deserto.

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Seu cansaço e sua aparência derretida pela água lutavam contra seu senso moral, mas a perigosa frase “o que há de mal nisso”, ganhou a partida dando xeque-mate na mente rigorosa da moça. O tempo, assim como a memória, pode parecer infinito quando se atenta aos detalhes da paixão. Na mente de Cláudia, ficaram os passos macios no carpete verde escuro da escadaria do hotel, que, em quatro pernas construíam o acorde de uma sinfonia deliciosamente amoral.

(Trecho do conto "Maria Madalena", do livro NósVósElas, de Sabrina Sanfelice, Editora Patuá)