segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

(Um parêntese, por favor)

Parêntese, por Gisele Sanfelice
(Um parêntese, por favor)
Detesto mudar meus projetos iniciais. Mas, meus contos resolveram entrar de férias em janeiro para darem espaço a mudanças que estão acontecendo em minha vida. Confesso: não são poucas. Tanto que eu jamais usaria esse espaço com tanta intimidade para me expor. Quando disse para meu psiquiatra que tinha uma publicação de contos para não me expor ele disse: bem se vê que a maioria das pessoas que escrevem não se expõe. Sorte a sua ter esse privilégio. Eu, mero mortal, não consigo ser tão imparcial em minhas entrelinhas.

Na verdade, escritores são todos fingidos. Sentem a dor alheia, tem a memória maior que tudo que só perde para o ego que, vira e mexe está lá, refletido nas palavras. E, remexendo em meus escritos mais antigos, desde a adolescência, percebi como a emoção da própria vida me fez criar com a literatura uma fuga sem volta para o mundo dos sonhos onde tudo é possível, inclusive não me expor, publicando contos que um incontável número de pessoas pode ler.

Então, tive medo. A minha exposição é pequena perto da minha responsabilidade. Se eu descobri que não sou Deus, não sou super-herói, não tinha nem sequer consciência da minha própria vida destacada em entrelinhas e ainda por cima sofro do mesmo mal de todos os escritores, porque eu ainda escrevo? Eu posso falar alguma besteira, querer compartilhar algo que um ser humano use como base, como fórmula mágica. E meus personagens? Eu sou parte deles ou eles fazem parte da minha vida?

Minhas indagações só conseguem ser substituídas por detalhes sutis como alguém que chega para tomar um café e traz um pacote na mão.

- Querida, sabe o que tenho aqui?
- Não, nem imagino. O que é? Um presente pra mim?
- Não (risos). Um presente pra mim. É a primeira versão oficial do seu livro. Será publicado.

Minhas mãos trêmulas seguraram o pacote e fito o homem que, em instantes, anunciará a resposta de todas as minhas questões.

- Que cara é essa? Parabéns! Vamos tomar alguma coisa para comemorar. Brindemos com café mesmo, mas brindemos!
- Obrigada, Dear. Acredita que eu estava quase desistindo dessa publicação há minutos?
- Acredito. Sempre achei que você escrevia por impulso, como tudo em você.
- É mesmo? Pensou isso por algum motivo?
- Não, mas por um raciocínio lógico. As pessoas só fazem alguma coisa por impulso por dois motivos: ou porque não sabem o que estão fazendo ou porque tem certeza absoluta do que fazem. E você, cara mia, tem os dois motivos. Só não esclareceu ainda dentro de você que, ter toda essa sensibilidade não é uma questão de vaidade, mas de necessidade. O escritor não é aquele que chora conosco, ele não precisa saber quem chorou ou não ao ler suas palavras. Percebe como é algo necessário?
- Talvez.
- Pense. Por que você come? Por que dorme? Por necessidade. Mas, se alguém te dissesse que enquanto você come e dorme está ajudando alguém a resolver questões existenciais, você pararia de fazer isso por causa da responsabilidade?
- Não, não poderia, morreria.
- Pois é. Se todos os escritores pararem de escrever, a humanidade morre. Isso assusta um pouco. Mas, eles continuarão pensando que, se pararem de escrever, quem morre são eles mesmos. O piolho continua sugando o sangue da cabeça sem pensar nas conseqüências para sua própria existência se o dono da cuca morrer. Não importa se alguém vai ler o que você escreve, mas você precisa fazer isso.
- Mas, dessa forma eu me ausento de qualquer responsabilidade. Só estou sobrevivendo!
- Não falo que o ego dos escritores é uma coisa enorme? Que prepotência a sua em achar que algum dia você mudou a vida de alguém. Você só o lembrou sobre alguma possibilidade que ele já sabia. Melhor: uma possibilidade que você roubou de alguém ou de você mesma. Sua ladra de sentimentos!
- Acho que já consigo brindar mais tranqüila!
- Faz um favor pra mim antes de brindarmos? Autografa essa versão e me dá de presente?
- Claro!

“Dedico a primeira versão de meu livro ao homem que me ensinou a brindar. Que eu continue brindando minhas necessidades básicas para que, mesmo sem pão, eu nunca morra de fome e, por um mero acaso, preserve a humanidade”

18 comentários:

Periféricos Atalhos disse...

Sabe porque é que gosto tanto de ler o que você escreve? É porque, carinhosamente falando, o seu jeitinho arrebata ao passo que inspira. Seu texto ensina e faz refletir.

Ariane Rodrigues disse...

Querida Sabrina, tantas questões para refletir neste teu post...Que bom poder ler algo que transcende o entretenimento! Abraço!

Anônimo disse...

Entendo, compreendo, mas ao mesmo tempo tento entender e compreender se é isso mesmo! Já li e reli pois de tão profundo e (ir)real não me é fácil captar tudo... Muito bom! Beijo!

Anônimo disse...

Cheers, cara escritora!

Anônimo disse...

ladra de sentimentos,
no meu caso, se eu parar de escrever, morro mesmo de fome. ainda bem que sei fotografar, mas só um pouquinho.
ps> falando em foto, parabéns para a sister que mandou muito bem.

Leo Mandoki, Jr. disse...

...um livro ao contrario do q mta gente pensa nao é um filho recem-nascido...é um filho de maior idade....pq com o livro já deixamos de ser os donos dele...o livro passa a ser de quem o lê...
eu escrevo para dar porrada nos meus demonios!!! e as vezes resulta!
beijos

J.F. de Souza disse...

Sim, escritores são todos fingidos. Poetas ainda mais fingidores...

Eu realmente gostaria que você retomasse este projeto algum dia... Ou, ao menos, gostaria de ainda ter contato com tua bela escrita, qrida amiga. Não me deixe sem suas letras, Sazinhaaaaaaaaaaaaaaaa...

Bom... Se tem coisa tua nessas entrelinhas todas? Oras... Sempre tem coisa nossa... E sempre tem coisa não nossa também! E sempre tem coisa de todos aí! E sempre tem coisa que não é de ninguém!

Mas essas linhas que você escreveu têm sua vida própria, caminham por elas mesmas, vivem por si só! Como tudo o que é escrito! E é o que importa!

Sucesso pra você, mulher!

E não suma!

=*

~PakKaramu~ disse...

Visiting you

Anônimo disse...

Gostei muito do blog, parabéns,
estou acompanhando ...

Abraços Literários.
Marcos Miorinni

porentreletras
janelasetravessias
oficinadefragmentos

Everaldo Ygor disse...

Olá...
Escritores & Poetas, são eles sentindo o que 'outros' sentem, escrevendo linhas e flexões adormecidas em vastos porões, criando nas diversas angustias da libertina vida e no final sempre brindando com a Poesia toda...
Enfim belo!
Abraços
Everaldo ygor
http://outrasandancas.blogspot.com/

Alessandra Castro disse...

Ahhh meu sonho é viver um romance louco com algum escritor.

Johny Farias disse...

Um ensaio isso, adorei.

Desculpa a demora tá?
Estás linkada.

beijo's

Débora Cunha disse...

manter a humanidade por mero acaso. meros acaso sucetivos que conduzem a gte através de sabe lá Deus o quê! E no final, somos, ainda bem, humanos. Ou praticamente isso.

Periféricos Atalhos disse...

Sabrina, você é o máximo! Ótimo, inteligente e sábio, o seu coméntário. Releve o meu desabafo de tolo. Como escrevi lá: Ganhou um fã!

Paz!

Periféricos Atalhos disse...

Sabrina,

gostaria mito de te ver participante nesta revista de micronarrativas.

http://www.minguante.com/?pag=entrada

Noslen ed azuos disse...

Não tenho certeza se preciso ler novamente para entender,creio estar diante de um fato e nele sou leitor de uma pessoa importante por si só: porque me entretém, que me faz esquecer a fome, o sono e até de mim mesmo, mesmo por pouco tempo; parabéns pelo jeito que escreve, e se plubicado,com capa dura e cheiro, ...eu quero!

Bjs
ns

Beatriz Vieira disse...

Olá Sabrina,

Psicólogos, psiquiatras... não entendem nossa vida de escritor!

Anônimo disse...

Sá quem te conhece e tê lê, sabe que você é sempre você, com ou sem entrelinhas, com ou sem máscaras, com ou sem...
Drizzy