terça-feira, 15 de abril de 2014

Assim me pareceu

Preto no branco, Sabrina Sanfelice, Paraty/RJ

Nada tão acolhedor como tratar o público refletindo, no palco, sua própria face. Jean Baudrillard já defendia há muito tempo que vivemos numa era cujos símbolos têm mais peso e mais força do que a própria realidade. Os simulacros são sempre mais atraentes ao espectador do que o próprio objeto reproduzido. Se não acredita no que digo, fique à vontade para tirar suas próprias conclusões, afinal, longe de mim querer ser dona da verdade, ainda mais uma verdade tão questionável como a tratada na fantástica (na minha humilde opinião) representação da obra de Pirandello na peça “Assim é (se lhe parece)”, em cartaz no Sesc Vila Mariana, em São Paulo.

Ficamos tão à vontade para entrar na história que nos projetamos para uma das cadeiras que estão no palco e, automaticamente, escolhemos um lado, mesmo que ele seja questionado o tempo todo por nosso senso crítico, dizendo: no fundo, é só uma questão sobre a autenticidade do olhar humano, eu sei bem disso. Chega a ser uma ironia apontada para dentro. Ainda bem que não tenho nada a ver com isso! – respiramos aliviados. 

Em outros momentos, moralmente escolhemos o lado daquele que questiona, instiga, provoca, como se assim fôssemos, todos, justos e conscientes. Mas, vez ou outra, mesmo os mais politicamente corretos, projetam-se para o espelho do autor escrevendo a obra (inclusive os que nunca ouviram falar dele) e pensam (mesmo sem saber que pensam): será mesmo que lá no fundo ele não quis nos dizer sobre a verdade esfregando-nos na cara que a vida é, o tempo todo, uma escolha? Até mesmo a sua própria em escrever-nos sobre esse tema?

Me pus a pensar em que lado ficou Pirandello ao escrever esse belíssimo conto, porque, mesmo um filósofo instigador acaba por se apaixonar pela essência de alguma razão e projeta isso num viés inconsciente. Mesmo a mais autêntica obra sobre a verdade se autoquestiona nas entrelinhas. Ao apontar-nos, o próprio autor, por fim, se aponta e nos dá o bálsamo de entendermo-nos humanos, todos, indo para casa tranquilos de que desempenhamos bem o papel que nos é cabido: o de questionadores.

Uma reflexão altamente recomendada e, sem dúvidas, belíssima (sim, eu tenho certeza que vi beleza): http://www.assimeselheparece.com.br/

Nenhum comentário: