quarta-feira, 2 de julho de 2008

Atrás da porta nunca tem nada

Capítulo I
O relógio


Sempre tento acordar antes das 10 da manhã. O despertador toca, eu me esforço para ver os números com as pupilas ainda embaçadas. Essa, definitivamente, não foi uma manhã como as outras.

Durmo mais um pouco. Acordo de novo como se tivesse dormido só mais 5 minutos. Não consigo ver as horas e aperto o botão da luz do despertador: 6 da manhã. Não estava cansado, só um pouco enjoado. Olho de novo para verificar e dessa vez observei também a data: 29 de junho de 2009, Quarta. Olho mais uma vez. Exatamente 29 anos hoje. Tinha esquecido meu próprio aniversário. Alguns pensamentos invadiram minha mente e perdi completamente o sono, fazia muito tempo que não acordava tão cedo assim. Talvez fosse coincidência isso acontecer exatamente nesse dia.

Tinha marcado de encontrar Claúdia para vê-la ensaiar para o próximo concerto, mas isso só seria às 13 horas. O que fazer nessa manhã tão esquecida pelo sono dos últimos anos? Em casa não poderia ficar. Só de imaginar as pessoas ligando para dizer “feliz aniversário” me dava náuseas. Precisava arrumar um programa diferente, nada que incomodasse muito minha rotina. Talvez um Café, livros e bolinhos de chuva.

A rua 29 de Março guardava um velho segredo: um Sebo falido que se sustentava de pivetes que ocupavam a noite jogando numa lan house do fundo da casa. Nesse horário estavam todos os computadores vazios, a cafeteria acabava de ser aberta e os livros do fundo continuavam empoeirados e sem receber visitas há anos. Sentei bem lá no canto, peguei o café no balcão para não ganhar cara feia de nenhuma garçonete por causa do horário.

Puxei um livro com a mão esquerda, assim, na sorte. A capa, coberta por papel pardo escondia o título. No momento tive um estranho pensamento de que o dono da casa não tinha muito interesse por leitores naquele ambiente. Quem colocaria um livro sem mostrar o título na prateleira? Além de dificultar a escolha, era uma atitude de alguém totalmente sem conhecimento a respeito de leitura, livros e afins. Mesmo assim, resolvi abrir e olhar para saber o que tinha escolhido. Dentro, as folhas velhas e amareladas, apresentavam a figura de uma porta fechada. Fiquei alguns minutos olhando a figura, tentando relacionar com o que viria a ler depois. Na próxima folha a figura mudava um pouco. A porta estava entreaberta. Que estranho um livro apresentar tudo isso antes de ao menos dizer o título. Estava curioso e irritado com essa idéia. Para mim, parecia uma tentativa injusta de atrair o leitor sem ao menos saber se o título o interessava. Na próxima folha, uma página preta, inteira, sem absolutamente nada. Eu não acreditava que esse livro tinha me feito de idiota. Senti uma imensa vontade de desafiar o escritor naquele momento e devolver o livro para aquela prateleira imunda e negar-lhe o direito de me provocar daquela maneira. Como alguém poderia me irritar naquele horário, no dia do meu aniversário? Fechei o livro e voltei minha atenção para o café, quase frio. Eu simplesmente odiava quando isso acontecia. Era como se não fosse só o livro a me desafiar naquele momento. O café estava frio e eu tinha conseguido acordar às 6 da manhã justo hoje.

Lembrei de Cláudia e de suas mãos quando tocam piano. Ela com certeza estaria rindo da minha mania de perseguição. Lá fora, as pessoas já começavam a passar pela frente do café para entrarem sem atraso no trabalho. A garoa da madrugada tinha se acentuado um pouco e junto com ela o típico frio da manhã. Na parede da Cafeteria alguns relógios mostravam diferentes horários dos vários países. São Paulo marcava quase 10 horas da manhã. Como alguém conseguia ser tão inútil para não trocar nem mesmo o horário do relógio?

Do nada, um som alto e estridente tomou conta do local. Era como se a cafeteria estivesse soando um alarme de incêndio. Era só o que me faltava. Olhei rápido para o livro em cima da mesa e senti uma imensa vontade de levá-lo embora no calor do momento. Já estava tudo tão irritante aquela manhã, então, nesse caso não seria uma atitude tão insensata. No balcão não havia mais ninguém para me ver fazer isso. Peguei o livro e saí rapidamente para a frente da Cafeteria. Estava com o coração um pouco acelerado pela situação. Lá fora a chuva já estava um pouco mais forte. Abri meu casaco e coloquei o livro para não molhar. Coloquei os pés na rua, senti que eles estavam molhados. No mínimo uma poça d’água indesejada. Olho para o chão. Sinto meu corpo zonzo, meio inclinado. O barulho continua alto. Estou muito enjoado, fecho os olhos. Abro os olhos bem devagar. Minhas pupilas estão embaçadas. Vejo um relógio digital que marca 10 horas da manhã. Esfrego os olhos: 10 horas da manhã, 29 de junho de 2009, quarta-feira, meu aniversário de 29 anos. Meus pés, sem meias, estão gelados e descobertos. Mais um sonho. Estranho, muito estranho.

5 comentários:

Anônimo disse...

Surreal, como você.
Ah, eu tb detesto acordar certo, ligações no dia do meu aniversário me deixam deprê, sou rato de sebos e livrarias em geral, adoro café... mas não conheço nenhuma Cláudia.
Fico aqui pensando até que ponto isso tudo foi sonho ou realidade...

Maíra Colombrini disse...

Ah! Sabe... eu descendo diretamente da Pandor - aquela da caixa, lembra? - e sempre fico querendo saber coisas obscuras com o que havia na caixa de naufrago e qual o nome do livro.
Adorei o Blog, passei mais vezes por aqui. Beijos!

Unknown disse...

Sazzzzzzzz,
que bom que regressastes!!
LITERATURA MARGINAL!! Adorei!!!

Anônimo disse...

Fico aqui me perguntando: O que essa fada encantada faz para me enfeitiçar com suas palavras? Como ela consegue fazer com que eu leia várias vezes as mesmas palavras, quase que acreditando que em algum momento algumas delas irão se transformar em outras para me dar alguma resposta que ninguém mais conseguiu ler...

Anônimo disse...

é a sua cara! muito bom o texto, escreve mais! beijocas